segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Bentley

A teoria dos grupos de Bentley.

Apresentadas as principais fase da ciência política norte-americana, importa agora atentar nalgumas das suas linhas fundamentais de análise. Comecemos pelo modelo sociologista da teoria dos grupos, conforme o esquema de Arthur Fisher Bentley (1870-1957), principalmente na sua obra The Process of Government [1908].
Insurgindo-se contra os cultores da dead political science, acusa-os de fazerem um estudo formal das características externas das instituições públicas que se tornaria uma ficção dado que os mesmos, para ultrapassarem o formalismo, procuram humanizar as respectivas análises com uma injecção de metafísica [1].
A ideia primeira a reter deste autor é a consideração de que a sociedade não é senão o complexo dos grupos que a compõem [2], que não há sociedade propriamente dita, mas sim sociedades, ou, como dirá David Truman, um mosaico de grupos [3].
Para Bentley, o grupo não constitui uma massa física (physical mass) separada, mas uma massa de actividades (mass activity), de tal maneira que um só homem não participa num só grupo, mas em muitos: significa uma certa porção dos homens de uma sociedade, não tomada como uma massa física separada de outras massas de homens, mas como uma massa de actividade, o que não impede os homens que participam no mesmo de participar igualmente em muitas actividades de grupo [4].
O elemento fulcral da perspectiva está no entendimento do homem como um animal de interesses, e da vida como uma sucessão de conflitos de interesses. Aqui, o interesse, enquanto aquilo que está entre outras coisas (inter+esse), consiste numa relação entre um homem e uma coisa, um homem e outro homem, um grupo de homens e um grupo de coisas ou um grupo de homens face a outro grupo de homens [5].
Por seu lado, a utilidade, conforme a clássica asserção de Bentham, é a propriedade ou tendência que tem uma coisa para prevenir um mal ou para procurar um bem. Deste modo, qualquer grupo não passa de um mero pacto ou cálculo de utilidade contra a insegurança, como o meio de se conseguir o máximo de felicidade para o maior número.
Da mesma maneira, o homem como animal racional é visto como um animal que razoa, que calcula, como um animal reasonable que procura conseguir o máximo de prazer com um mínimo de dor, o máximo de felicidade com o menor esforço [6]. Por outras palavras, o racional é igual ao útil e o grupo volta a ser entendido como mero pacto ou cálculo de utilidade contra a insegurança, servindo para resolver, de forma segura, conflitos de interesses.
Desta forma, sendo a sociedade um complexo de grupos, a máquina que a faz funcionar é o processo de luta de grupos, mediante o qual todos os grupos tratam de realizar ou de elevar ao máximo os seus interesses. O resultado é uma espécie de caldeira de água a ferver, caracterizada por um equilíbrio instável, para utilizarmos as palavras de David Truman.
Governar consistiria, portanto, num mero processo de ajustamento entre grupos, traduzindo-se num modo dinâmico de gerir crises, provocadas pelos inevitáveis conflitos de interesses. Também o Estado não passaria de uma rede de grupos, onde o centro constituiria apenas uma agência de protecção e segurança, com o monopólio da força pública. O próprio direito não seria senão um conjunto de interesses coactivamente estabelecidos ou então, para utilizarmos a terminologia de Jeremy Bentham (1748-1832), o mínimo de moral necessário para a salvaguarda da sociedade.
Esta herança sociologista, apelando para o estudo da dinâmica das instituições públicas, para além das formas e das normas, estudando como de facto elas são, em vez de as estudar apenas como elasdevem ser, mantém-se como característica fundamental da autonomia da disciplina.
Em segundo lugar, o choque realista abre também as portas a um entendimento pluralista da sociedade, olhando os grupos como as forças vivas insusceptíveis de um rígido enquadramento hierarquista, como foi timbre no corporativismo que sempre os entendeu como simples corpos intermediários integrados numa pirâmide de poder.
Foi sobre os caboucos do utilitarismo, do sociologismo positivista e do pragmatismo que o neo-empirismo anglo-saxónico construiu o alfabeto da actual ciência política. O choque do behaviorismo, bem como a recepção do funcionalismo e do sistemismo, geraram um processo de comunicação entre a sociologia, a antropologia e a ciência política que forneceram a esta última as bases para um mais enraizado autonomismo, principal­mente a partir dos trabalhos do canadiano David Easton.


[1] A. F. Bentley, op. cit., pp. 162-163.
[2] Idem, p. 222.
[3] David TrumanThe Governmental Process, New York, Alfred A. Knopf, 1964, p. 23.
[4] A. F. Bentley, op. cit., p. 211.
[5] Cfr. Adriano MoreiraCiência Política, p. 15.
[6] Nesta linha, Mancur Olson Jr - em The Logic of Collective Action, Cambridge, Massachussetts, Harvard University Press, 1965 - repetirá, depois, a ideia do homem como animal razoável e calculista que actua sempre de forma proporcional à recompensa esperada e não pelo bem comum, dado que este só poderia ser marcante em grupos muito pequenos, onde existisse coacção. Assim, Olson considera que os benefícios colectivos são meros subprodutos ou efeitos indirectos dos benefícios selectivos. O que seria especialmente relevante no caso dos partidos políticos, em que a acção colectiva apenas resulta da luta pelos bens que beneficiam indivíduos particulares, os quais apenas tentam obter ganhos particulares que compensem o investimento individual feito na actividade política.

Sem comentários:

Enviar um comentário